O que a justiça tem a ver com o meio ambiente?
A justiça climática analisa o impacto das mudanças do clima sobre a garantia de direitos humanos, do meio ambiente e da natureza, dos povos indígenas e quilombolas, entendendo que aqueles que menos contribuíram para as alterações climáticas são os que mais sofrem com seus danos de forma injusta e desproporcional. A justiça climática une, nesse sentido, o arcabouço do direito internacional do meio ambiente e dos direitos humanos a fim de garantir que gerações atuais e futuras de animais humanos e não humanos possam gozar da vida na Terra.
O Instituto Pro Bono, a partir de seus mais de vinte anos de experiência na luta pelo acesso à justiça e efetivação de direitos de populações vulneráveis, passou desde 2022 a mobilizar sua rede de voluntariado em todo Brasil em resposta à emergência do clima.
Em sua iniciativa de Justiça Climática inclui atividades como, por exemplo, a elaboração de pareceres consultivos sobre as obrigações dos Estados em relação às implicações das alterações climáticas nos direitos humanos e proteção de defensores ambientais e de povos indígenas. Colabora, ainda, com redes que lutam pelo reconhecimento dos direitos da natureza, da personalidade jurídica de fauna, flora e funga, e da criação do crime do ecocídio. Propõe-se, ainda, ao engajamento em litígios climáticos com organizações parceiras em múltiplas jurisdições e campanhas de comunicação através da Climática, sempre respeitando as prioridades de sua rede de apoiadores e partes interessadas
O que dizem as leis brasileiras
Há diversas fontes no direito ambiental, desde a Constituição Federal de 1988 (art. 225) às normas infralegais, das quais destacam-se: Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), Lei de Crimes e Infrações Ambientais (Lei n.9.605/98), Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n.9.985/2000), Política Nacional de Mudança do Clima (Lei n.12.187/2009), Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n. 12.305/2010), Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97) e Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n. 9.795/99).
Conheça abaixo cada uma delas:
A Constituição Federal, em seu art. 225, estabeleceu de maneira inovadora o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O § 1º estipula deveres ao Estado, como a garantia da proteção ambiental e animal (inciso VII), já o § 3º prevê a obrigação de reparar o dano independentemente de sofrer as sanções administrativas sobre os atos lesivos ao meio ambiente. Ainda, destaca-se o § 4º, o qual determina que biomas brasileiros são considerados patrimônio nacional. Por fim, as responsabilidades do Poder Público são divididas em obrigações afirmativas (ações a serem realizadas) e obrigações negativas (ações a serem evitadas).
A Lei n.º 12.651/2012, também conhecida como Código Florestal, estabelece diretrizes para a proteção da vegetação, incluindo áreas de preservação permanente e reserva legal; regulamenta a exploração, o uso e rastreabilidade de recursos florestal. Além disso, a Lei reconhece as florestas e vegetação nativa como bens de interesse público e trata sobre o exercício do direito à propriedade ou posse rural em conformidade com a sua função socioambiental.
A Política Nacional do Meio Ambiente tem como objetivo a preservação e a recuperação do meio ambiente, de forma a garantir o desenvolvimento socioeconômico do país e, para isso, estabelece diversos instrumentos voltados ao equilíbrio ecológico ambiental. Além disso, determina as entidades e órgãos públicos que farão parte do Sistema Nacional no Meio Ambiente (Sisnama), bem como institui o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A Política Nacional de Recursos Hídricos busca garantir a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados, fomentar a utilização racional dos recursos, prevenir eventos críticos e incentivar o uso de águas pluviais. Para tanto, a Política instituiu os seguintes instrumentos: Planos de Recursos Hídricos; enquadramento dos corpos de água em classes; a outorga de direitos de uso; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, que gerencia a disponibilidade hídrica das bacias.
Já a de Resíduos Sólidos procura promover a sustentabilidade na produção e consumo, do estímulo à indústria da reciclagem e da gestão integrada de resíduos sólidos. A lei estabelece princípios, objetivos e determina que são responsáveis pela adequada gestão de resíduos o Estado, o setor empresarial e a sociedade. Dentre seus instrumentos, estão os planos de resíduos sólidos, inventários, coleta seletiva, sistemas de logística reversa, entre outros. Ademais, a Política prioriza a gestão de resíduos, de acordo com a hierarquia de ações que incluem não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos.
A Política Nacional de Saneamento Básico estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. Ela dispõe sobre a relação entre os entes federados e o setor privado, subsidiando os investimentos necessários para a universalização do setor. O saneamento compreende os serviços de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Há também a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Ela dispõe sobre as barragens destinadas ao armazenamento de água, disposição de rejeitos e acumulação de resíduos industriais. Seu objetivo principal é garantir a observância de padrões de segurança de forma a prevenir acidentes e reduzir suas consequências. A PNSB utiliza diversos instrumentos, como o sistema de classificação das barragens de acordo com riscos e danos potenciais associados, Plano de Segurança da Barragem, o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB), o Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (Sisnama), cadastros técnicos e relatórios de segurança.
Por fim, a Política Nacional de Educação Ambiental busca promover a oferta de educação ambiental ampla e integrada, que estimule a participação de instituições de ensino e da coletividade, a fim de promover a conscientização sobre valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente.
Meio ambiente e Judiciário
No Brasil, aplica-se o princípio da Tríplice Responsabilidade Ambiental: impactos negativos no meio ambiente podem levar à responsabilização do seu causador em três esferas distintas, independentes e concomitantes: (i) civil, em que se demanda a reparação dos danos causados; (ii) penal, em que se apura se o impacto negativo no meio ambiente constitui crime ambiental; e (iii) administrativa, em que se apura se esse mesmo impacto constitui infração às normas de proteção ambiental fiscalizadas pelos órgãos e agências ambientais.
Com relação aos crimes ambientais, a Lei n.º 9.605/1998 determina quais são as condutas e as atividades lesivas ao meio ambiente que são consideradas crime. É admitida a responsabilização penal de pessoas físicas e jurídicas por crimes de poluição relacionados à fauna, à flora, ao patrimônio cultural e à administração ambiental. A Lei n.º 9.605/1998 é regulamentada pelo Decreto n.º 6.514/2008, que traz a tipificação das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, além de estabelecer o processo para apuração dessas infrações.
Em 2020, ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 654.833, o STF decidiu pela imprescritibilidade da pretensão de reparação civil por dano ambiental. Um dos fundamentos dessa decisão consiste no entendimento de que o dano ambiental, em razão dos impactos em toda a coletividade, nas presentes e futuras gerações, merece tratamento diferenciado de outros tipos de dano e ilícitos civis. A decisão foi proferida em sede de repercussão geral (Tema 999) e, por isso, afetará outras ações em andamento sobre o mesmo tema.
Tratados internacionais
Existem diversos tratados internacionais sobre meio ambiente, dentre os quais destacam-se:
Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano foi celebrada durante a Conferência de Estocolmo da ONU em 1972. A Declaração é importante porque foram reconhecidos, como direitos fundamentais, a proteção e o melhoramento do meio ambiente humano. Nesse sentido, foi deliberado que as ações humanas devem ser orientadas considerando as consequências que podem ter para o meio ambiente.
Dentre os 26 princípios que a compõem, merecem destaque o Princípio 1, que reconhece o direito humano de desfrutar de condições de vida em um meio ambiente de qualidade; e o Princípio 3, segundo o qual se deve manter, e sempre que possível, restaurar ou melhorar a capacidade da terra de produzir recursos vitais renováveis.
A Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ou ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992, dispõe sobre as ações político-normativas a serem adotadas pelos Estados até o século XXI para promoção do desenvolvimento sustentável. Na ocasião, discutiu-se sobre o desenvolvimento socioeconômico e a manutenção do meio ambiente. A Conferência também resultou na elaboração de importantes documentos, como a Carta da Terra, Declaração de Princípios Sobre Florestas e Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento.
O Protocolo de Kyoto é um tratado internacional vinculado à 3ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Kyoto em 1997. O Protocolo é o primeiro documento internacional que trata sobre emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), com o objetivo de reduzi-la no período de 2008 a 2012. Os países signatários se comprometeram a reduzir suas emissões em relação aos níveis de 1990. O protocolo teve um papel importante na conscientização sobre as mudanças climáticas, mas foi substituído pelo Acordo de Paris em 2015.
O Acordo de Paris é um tratado internacional, celebrado em dezembro de 2015 durante a Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 21) em Paris. Com o objetivo de reduzir os impactos do aquecimento global, o Acordo estabeleceu o compromisso de que seja mantida a temperatura média da Terra abaixo de 2º C, quando comparada aos níveis pré-industriais, e que sejam empregados esforços para que a temperatura seja limitada em até 1,5º C acima dos níveis pré-industriais. Os países signatários comprometem-se a estabelecer metas de redução de emissões, denominadas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).