Deputada Federal Erika Hilton protocolou projeto de lei para instituir uma Política Nacional para Deslocados Ambientais e Refugiados Climáticos fala à Climática (foto: divulgação)
A tragédia no Rio Grande do Sul mobilizou pessoas de todo o país para ajudar uma população desamparada e devastada por uma tragédia ambiental. Infelizmente não será a última comoção desta ordem.
Proposto pela deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), projeto de lei institui uma Política Nacional para Deslocados Ambientais e Refugiados Climáticos. o PL 1594/2024 aponta diretrizes de amparo a pessoas desabrigadas ou que precisam migrar em decorrência de eventos climáticos extremos e instrumentos econômicos, financeiros e socioambientais para o auxílio emergencial a essas populações. A proposta também inclui estratégias integradas e intersetoriais de apoio e reconstrução das condições de vida (com ênfase em moradia, educação e emprego).
Erika Hilton falou à Climática sobre como o tema tem sido recebido no Congresso Nacional e também sobre sua atuação no enfrentamento do encarceramento em massa de mulheres, sobretudo de mulheres negras. “Como falar de racismo ambiental, por exemplo, se a maioria do nosso parlamento é branca, cis, heteronormativa, empresária e latifundiária?”
O que já é possível fazer pelas vítimas do Rio Grande do Sul e no que o projeto de lei que você protocolou pode mudar como essas pessoas são assistidas?
Esse projeto de lei surgiu das experiências vividas por pessoas que sofreram como as do Rio Grande do Sul estão sofrendo agora. Foi uma pessoa deslocada climática de Petrópolis que trouxe ao meu mandato a discussão sobre a falta de centralidade das pessoas afetadas quando falamos de mudanças climáticas. Embora existam leis como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, faltava uma política que reconhecesse o deslocamento e o impacto de eventos climáticos extremos para as pessoas, focando na reconstrução dessas vidas.
Esse projeto é uma resposta abrangente que pode fazer muito pelas vítimas do Rio Grande do Sul. Ele facilita o acesso a programas habitacionais, crédito subsidiado para reconstruir suas casas, prioridade no SUS, e acesso à saúde mental para lidar com os traumas, com a ansiedade climática. Além disso, oferece segurança aos trabalhadores, com afastamento sem prejuízo do salário e estabilidade no emprego por dois anos, garantindo o trabalho depois que passa a comoção pública e ajudando na reconstrução de suas vidas.
Que outras mudanças legislativas podem ser propostas para atenuar e, em alguma medida, combater situações climáticas extremas?
Precisamos de mudanças urgentes. A primeira é garantir um orçamento público contínuo, para que a resposta do Estado não seja só no momento dos desastres, não seja temporária, mas um compromisso permanente. Por isso, apresentei uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que estabelece um piso mínimo de recursos do orçamento para o combate às mudanças climáticas, semelhante ao que já existe para saúde e educação.
Vimos nas notícias que políticos do Rio Grande do Sul cortaram investimentos ano após ano, chegando ao absurdo de apenas 50 mil reais para combater enchentes em Porto Alegre. Existem padarias de bairro que movimentam mais dinheiro que isso!
Com a aprovação dessa PEC, garantiríamos um investimento mínimo e contínuo. Infelizmente, ainda não conseguimos assinaturas suficientes para pautar a PEC, o que mostra que as mudanças legislativas não serão fáceis. Mas vamos continuar lutando, porque é inaceitável que vidas sejam deixadas à mercê de desastres por falta de compromisso político.”
Em 2023, como 2ª Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, você participou do debate sobre as condições dos cárceres e sobre a prevenção e o combate à tortura nos sistemas de Justiça brasileiros, tema sobre o qual o Instituto Pro Bono tem se debruçado. No que avançamos nessa temática e quais aprendizados você traz dessa atuação? Ainda sobre a tragédia no Rio Grande do Sul, como pessoas presas têm sido assistidas?
O debate em questão foi em agosto de 2023, mas nosso mandato tem atuado em escuta e encaminhamento de demandas, temos recebido as mães e parentes das vítimas de tortura nos sistemas de Justiça, fortalecendo a entrada institucional desses movimentos no debate público na Câmara dos Deputados, como a Audiência Pública junto às Mães de Maio, em junho de 2023
No que tange a pensar um sistema de justiça que reconheça as discriminações e violações de direitos humanos às famílias e pessoas encarceradas, temos tentado atuar no enfrentamento do encarceramento em massa de mulheres, sobretudo de mulheres negras que estão no cárcere, por meio da proposição do PL 1028/2024, que altera a Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para dispor que nos pedidos judiciais sobre execução penal o trabalho doméstico e de cuidado seja considerado para fins de remição de pena.
Quanto à tragédia no Rio Grande do Sul, o desafio humanitário é gigante, principalmente, em razão das dificuldades de diálogo com o poder público sobre a temática carcerária. O apoio e sensibilização é fundamental para garantir o envio de esforços à população de presos e presas atingidas. No que diz respeito a isso, estamos produzindo uma indicação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que instrua normativas e diretrizes de atendimento, acompanhamento e fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, com foco na promoção dos direitos humanos de pessoas presas no contexto de mudanças climáticas e desastres extremos.
O termo racismo ambiental tem estado em evidência, mostrando como questões ambientais atravessam raça, gênero e classe social de maneiras distintas. De que maneira ainda é preciso avançar para tratar com equidade pessoas impactadas de maneira desigual? Como as leis brasileiras falham nesse sentido?
Não diria nem que as leis falham, porque isso invisibiliza a participação ativa dos parlamentares na construção de leis que, propositalmente, vetam o debate sobre raça, gênero e classe. Essa realidade do parlamento brasileiro se reflete nas leis. Para avançar nesse debate, precisamos urgentemente ocupar o parlamento brasileiro com equidade, de forma que isso se reflita também nas leis aprovadas. Como falar de racismo ambiental, por exemplo, se a maioria do nosso parlamento é branca, cis, heteronormativa, empresária e latifundiária? Eles não querem reconhecer esse debate porque significa afrontar os interesses que representam, interesses que são contrários ao povo brasileiro.
Mesmo assim, é crucial que o termo racismo ambiental esteja em evidência e que esse debate ocorra, ainda que fora do parlamento. É importante para que entendam que, mesmo que lentamente, as coisas estão mudando. Não podemos debater clima e meio ambiente sem reconhecer a cor, o gênero e a classe social de quem sofrerá os impactos mais graves das mudanças climáticas.
Medidas de combate às mudanças climáticas partem, principalmente, de novas alternativas energéticas que substituam os combustíveis fósseis, grandes responsáveis pelo aumento das temperaturas na Terra. Como avançar no tema em um contexto em que as políticas de estado ainda valorizam e apostam na exploração de petróleo?
Falei do Parlamento, mas é preciso reconhecer as amarras do Estado como um todo, as contradições que estão não só no parlamento, mas em toda a sociedade. Por isso, enfrentamos um grande desafio de fazer com que nossas políticas de Estado deixem de apostar na exploração de petróleo, de continuar colocando os interesses econômicos acima da sobrevivência do nosso povo, da humanidade como um todo.
Para mudar esse cenário, é preciso pressionar por políticas que incentivem a adoção de energias limpas. E novamente, é fundamental que ocupemos o parlamento com vozes comprometidas com a justiça climática, que entendam a urgência dessa pauta. Devemos também educar e mobilizar a sociedade para exigir essa mudança. De minha parte, tenho investido recursos, por meio de emendas parlamentares, que vão trabalhar um Centro de Defesa de Direitos Humanos e Mudanças Climáticas em São Paulo, além de educação popular nessa área, em locais atingidos como São Sebastião, Litoral Norte de São Paulo. Precisamos de um compromisso verdadeiro com a vida e com o meio ambiente, reconhecendo que a luta contra as mudanças climáticas é uma luta pela possibilidade de existir, urgente e inadiável.