Gabriel Lemos Morete, advogado de Ambiental do Machado Meyer
Aline Barreto de Moraes e Castro Philodemos, advogada de Ambiental do Machado Meyer
Nos últimos anos, tem-se observado uma intensiva exploração dos recursos naturais, o que tem acarretado a desestabilização dos ecossistemas e gerado impactos negativos à biodiversidade e ao meio ambiente de uma forma geral, principalmente no que se refere à degradação ambiental, como a poluição, as mudanças climáticas, o desmatamento e outros problemas ambientais. Tais questões, no entanto, afetam de maneira mais intensa alguns grupos sociais marginalizados e vulneráveis, os quais acabam por suportar, de maneira desigual, as consequências ambientais negativas vivenciadas em nosso planeta.
Com o intuito de inibir esse cenário, surge o conceito de justiça ambiental, o qual tem como premissa a ideia de se buscar uma contraposição às dimensões ambientais das injustiças sociais, com a adoção de medidas que garantam a instituição de sociedades sustentáveis, com a devida proteção ambiental e justiça social, sem se deixar de lado a eficiência econômica.
O conceito de justiça ambiental tem sua origem nos Estados Unidos, na década de 1980, com os debates iniciados pelas populações menos favorecidas e socialmente discriminadas e vulnerabilizadas, as quais demonstraram uma preocupação com a sua maior exposição a riscos ambientais. A partir de tais manifestações e da repercussão do movimento sobre a justiça ambiental, ativistas e pesquisadores passaram então a estudar medidas para buscar um acesso mais justo e equitativo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O movimento seguiu se expandindo e se diversificando, passando a abranger diversas dimensões da relação entre a sociedade e a natureza, como a distribuição dos benefícios e dos custos ambientais, a participação e a representação dos grupos vulneráveis nas decisões políticas, a proteção dos direitos humanos e dos povos tradicionais, a promoção do desenvolvimento sustentável e da transição ecológica, entre outras.
A justiça ambiental, portanto, representa um conjunto de princípios éticos e políticos que busca assegurar que “nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional de degradação do espaço coletivo”[1]. Além disso, visa o acesso mais igualitário aos recursos naturais e a participação significativa dos grupos mais afetados na adoção de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente, como forma de evitar que sejam destinadas cargas maiores e desproporcionais dos efeitos ambientais negativos a populações marginalizadas e mais vulneráveis.
Esse direito implica não apenas a preservação da qualidade e da diversidade dos ecossistemas, mas também a garantia de condições dignas de vida, saúde, trabalho, educação, cultura e lazer para todas as pessoas, respeitando suas especificidades e diversidades. Ademais, implica o reconhecimento e a valorização dos saberes, das práticas e das lutas dos movimentos sociais e das comunidades que defendem e cuidam do meio ambiente, como os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os pescadores, entre outros.
As discussões acerca da justiça ambiental têm um histórico relevante, tanto em cenário mundial, como no Brasil. No plano internacional, destacam-se as declarações e as conferências que reconheceram e reivindicaram os direitos e as responsabilidades dos povos e das nações em relação ao meio ambiente, como a Declaração de Estocolmo de 1972, a Declaração do Rio de 1992, a Declaração de Cochabamba de 2010, a Declaração de Nova York de 2014, o Acordo de Paris de 2015, entre outras. Também se destacam as redes e as organizações que articulam e mobilizam os movimentos sociais e as comunidades afetadas pelas injustiças ambientais.
Já no Brasil, as discussões se iniciam no final dos anos de 1990, quando alguns representantes do movimento por justiça ambiental nos Estados Unidos vieram ao país para difundir as suas experiências e estabelecer relações com organizações brasileiras que buscassem os mesmos objetivos. A importância do tema foi alavancada por meio do Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, realizado em Niterói/RJ, em setembro de 2001, momento em que as discussões se centraram em injustiças ambientais ocorridas no cenário brasileiro. Como resultado, foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, a partir de movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos e pesquisadores de todo o Brasil, com o objetivo de denunciar injustiças ambientais e de fortalecer ações coletivas que possam fazer frente a esse fenômeno.
Não obstante o crescente número de fóruns para se discutir a justiça ambiental tanto em cenário mundial como em cenário nacional, fato é que, no contexto brasileiro, a busca pela justiça ambiental representa um grande desafio, principalmente considerando as questões econômicas, sociais, políticas e ambientais enfrentadas.
Reconhecer a existência de uma problemática ambiental pressupõe discutir as relações entre degradação ambiental e a reprodução de injustiças sociais no contexto brasileiro[2]. A justiça ambiental, nesse sentido, procura entender como a qualidade de vida de grupos populacionais em desvantagem social está relacionada aos efeitos ambientais negativos do funcionamento das indústrias e à falta de políticas públicas para neutralizar eventuais impactos.
Essas comunidades, muitas vezes, são obrigadas a viver em áreas mais expostas aos impactos ambientais, o que resulta em desigualdades socioambientais. Além disso, é comum que decisões políticas e econômicas desconsiderem o impacto gerado nas comunidades mais vulneráveis, o que resulta na criação de políticas que mantêm a desigualdade ambiental e potencialmente podem vir a ampliar a discriminação contra determinados grupos já em desvantagem social.
Do ponto de vista ambiental, há, no Brasil, um extenso arcabouço jurídico para garantir a todos o acesso justo e equitativo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A própria Constituição Federal reconhece, por meio de seu artigo 225, o acesso justo e equitativo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental. Além disso, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, bem como o dever de o Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Há ainda instrumentos legais que visam a proteção das comunidades tradicionais – historicamente mais afetadas por impactos ambientais –, bem como a mitigação de eventuais efeitos por elas sofridos em decorrência da instalação de empreendimentos potencialmente poluidores ou de crises ambientais. É o caso, por exemplo, da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto Federal 6.040/2007), do regulamento para demarcação de comunidades quilombolas (Decreto Federal 4.887/2003) e do Estatuto do Índio (Lei Federal 6.001/1973).
Ao estabelecerem deveres de tal natureza, além de preverem a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais como objetivos fundamentais do Estado brasileiro, os dispositivos vigentes buscam ser importantes instrumentos normativos de transformação social e de implementação de políticas públicas em vistas da promoção da justiça ambiental em âmbito nacional.
Apesar da existência de uma legislação abrangente e capaz de prever instrumentos para a promoção da justiça ambiental, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos e constantes em sua efetivação. A legislação ambiental brasileira existente oferece um arcabouço jurídico sólido para tais fins, porém, é fundamental que haja esforços contínuos dos diversos setores para aprimorar a implementação e a efetividade da justiça ambiental no Brasil.
O que se tem, portanto, é que a justiça ambiental é um tema complexo, dinâmico e desafiador, que exige uma compreensão ampla e integrada dos problemas e das soluções ambientais, que envolve diversos atores e interesses, que demanda uma mudança de paradigma e de comportamento, que requer uma mobilização e uma participação social e que depende de uma vontade e de uma ação política. Trata-se de um projeto que demanda um esforço conjunto, envolvendo o Poder Público e os diversos setores da sociedade civil, de modo a se alcançar a efetiva promoção do acesso justo e equitativo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
[1] ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto. Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relumé Dumará, Fundação Ford, 2004.
[2] SILVA, Lays Helena Paes e. “Ambiente e justiça: sobre a utilidade do conceito de racismo ambiental no contexto brasileiro”. e-cadernos CES, n. 17, 2012.