“É incoerente pensar em manter a floresta em pé e negligenciar quem mora nela”

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Leia também entrevista com Letícia Yumi Marques: “O Direito Ambiental é uma disciplina que, mesmo em 2024, não é oferecida em caráter obrigatório na maioria das faculdades”

 

Racismo ambiental na Amazônia e a negligência da COP com os povos da floresta

 

*Letícia Yumi Marques

 

Dados de uma reportagem especial da edição digital do jornal Estadão do último dia 1º de abril indicam que as famílias amazônidas estão deixando a floresta em direção a centros urbanos no Brasil e nos países vizinhos. Essa emigração é forçada pela ausência de políticas de saúde, associada à precariedade do saneamento básico, e de segurança pública, que colocam essas famílias em risco e à mercê da violência de facções criminosas que atuam no tráfico de drogas na região.

 

O perfil de quem deixa a floresta para tentar a sorte nas cidades é de pessoas vulnerabilizadas. Os resultados do censo do IBGE de 2022, que identificou que 67,15% da população do Norte do Brasil se declara parda, dão suporte a essa conclusão e fortalecem os indícios de racismo ambiental na Amazônia.

 

O racismo ambiental consiste na exposição de grupos racialmente ou etnicamente vulnerabilizados, como as pessoas pardas e indígenas, a externalidades socioambientais negativas. Esse conceito é indissociável da noção de justiça ambiental, que diz respeito à distribuição equitativa dos impactos positivos e negativos da exploração dos recursos naturais. Exemplos de impactos positivos são os bens e serviços baseados em minérios, biodiversidade, madeira e outras riquezas da floresta; e, os impactos negativos, são, invariavelmente, a poluição e a degradação ambiental.

 

Por conta da concentração de renda, os bens e serviços que decorrem da exploração dos recursos naturais são consumidos nos centros urbanos, onde se concentra a população com maior poder aquisitivo. A poluição e a degradação ambiental permanecem nas periferias, onde esses bens e serviços são produzidos. As comunidades periféricas, que suportam os impactos negativos, não têm acesso aos resultados positivos do que se retira da natureza — daí a (in)justiça ambiental, que segue lado a lado com o racismo ambiental, na medida em que são as populações negras, pardas e indígenas que, em sua maioria, habitam esses espaços.

 

A ideia de justiça ambiental não é impedir o crescimento econômico ou a exploração dos recursos naturais, mas assegurar que os resultados positivos e negativos que decorrem desse processo sejam distribuídos de forma equilibrada na sociedade. Se os povos da floresta de onde muitas dessas riquezas são retiradas estão deixando suas casas e seu modo de vida forçadamente por falta de acesso a direitos básicos, então é seguro afirmar que esse fenômeno é resultado do racismo e da injustiça ambientais.

 

A Amazônia é o centro do debate das discussões mundiais sobre mudanças climáticas. Inegavelmente, os líderes de todo o mundo conhecem a importância da floresta — de outra forma, escândalos envolvendo desmatamento, garimpo e grilagem de terra na Amazônia não seriam alvos de críticas internacionais. No entanto, embora se discuta muito sobre créditos de carbono e formas de financiamento para conservação da Amazônia, pouco ou nada se diz sobre o bem-estar dos povos da floresta.

 

É incoerente pensar em formas de manter a floresta em pé e negligenciar quem mora nela.

 

Por tudo isso, é significativo e muito bem-vindo que a COP 30 seja realizada pela primeira vez em uma cidade da Amazônia. É a janela de oportunidade para que os temas do racismo e das injustiça ambientais presentes na região sejam colocados na mesa para uma tomada de decisão informada dos líderes na COP. A sociedade civil organizada certamente terá papel relevante nas reivindicações atreladas a esses temas.

 

*Letícia Yumi Marques é doutoranda em Direito (UFPA), mestra em Sustentabilidade (USP), especialista em Direito Ambiental (Mackenzie), pós-graduada em Direitos dos Animais (Universidade de Lisboa) e em ESG na Prática: Diversidade e Inclusão nas Empresas (FGV-Law) e bacharel em Direito (PUC-SP). Vencedora do prêmio Rising Star of The Year 2024 – Environment, da publicação inglesa The Legal 500, hoje atua como professora nos cursos de extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie e como advogada

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