“O crime de ecocídio passará uma mensagem forte aos criminosos ambientais, de que o Estado está priorizando a proteção ambiental”

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Paulo Busse é advogado criminal, ambiental, de direitos humanos e internacional. Membro do Climate Counsel, do Ecocide Advice Centre e membro fundador do LexCollective, há mais de duas décadas assessora organizações ambientalistas e de direitos humanos como Observatório do Clima, o Greenpeace, a Global Witness e o Instituto Escolhas.

 

Em entrevista ao portal Climática, Busse explica o conceito de ecocídio, a diferença em relação a outros crimes ambientais e como uma mudança na legislação será benéfica ao refletir na proteção e na reparação às vítimas de grandes tragédias. Para ele, além de proteger o meio ambiente e os povos que nele habitam, essa nova tipificação também passará uma mensagem mais dura aos criminosos ambientais.

 

 

O termo ecocídio ganhou evidência no Brasil com o PL 2933/23, que busca aperfeiçoar a Lei de Crimes Ambientais, de 1988. Se o novo texto for aprovado, o que muda em termos de punição e de reparação para os crimes ambientais cometidos no país?

 

O crime de ecocídio é uma forma mais agravada de crime ambiental. Ele é desenhado para criminalizar as grandes devastações ambientais, com impactos maiores e consequências que se espraiam para além dos limites territoriais e temporais de onde ocorrem. As penas e consequências jurídicas, portanto, são maiores que as dos crimes ambientais existentes na Lei 9.605/98 (Lei Brasileira de Crimes Ambientais).

 

Se aprovado, o crime de ecocídio pode incriminar os principais responsáveis por empreendimentos altamente nocivos ao meio ambiente: os tomadores de decisões posicionados nos topos das cadeias de comando dos mundos empresarial, financeiro e político. Sua adoção dotaria a Lei de Crimes Ambientais de um instrumento jurídico mais potente para o Ministério Público atuar com maior eficácia no combate à destruição ambiental mais massiva e relevante. O objetivo da introdução do crime de ecocídio no direito brasileiro é, portanto, dissuadir os grandes responsáveis por empreendimentos ambientalmente danosos de seguirem promovendo esses empreendimentos no país. Indiretamente, também serviria para desencorajar os responsáveis por danos ambientais menores, mais pontuais e localizados.

 

 

A União Europeia (UE) fez história recentemente ao aprovar uma legislação que criminaliza casos mais graves de danos ambientais como ecocídio. Que exemplos no mundo podemos tomar de aprendizado?

 

No mundo, a evolução das legislações sobre ecocídio indica um movimento crescente e significativo no sentido de reconhecer a importância de se proteger de forma mais ampla e eficaz o meio ambiente e o clima do planeta. Diversos países têm avançado em propostas e mudanças legislativas que incorporam o conceito de ecocídio, a exemplo do Peru, onde dois novos projetos de lei foram apresentados neste ano, e da Ucrânia, que realizou uma conferência em Lviv em 2023 para discutir a lei do ecocídio após os danos ambientais sofridos como resultado da invasão russa.

 

Para acompanhar outras iniciativas em diferentes países, recomendo acessar o site do Stop Ecocide International, organização que promove e amplifica esse debate ao redor do mundo: https://www.stopecocide.earth/leading-states

 

 

Crimes ambientais como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) e o afundamento do solo em Maceió (AL) poderiam ser considerados casos de ecocídio? Por que? Em caso positivo, o que mudaria para as vítimas?

 

Esses eventos, sem dúvida, podem ser considerados casos de ecocídio. Ambos são destruições ambientais massivas com consequências enormes para o meio ambiente e para as populações desses lugares — e não só desses lugares, e não só desse tempo histórico, mas com consequências que se espraiam para além dos territórios e momentos em que ocorreram.

 

Em ambos os casos, é possível identificar os responsáveis. Os dois casos demandam boas investigações, mas é possível. O que falta no Brasil é um crime abrangente o suficiente para incriminar os responsáveis pelas ações ou omissões que ocasionaram esses eventos. Este seria o crime de ecocídio tal como proposto no projeto de lei em questão. Para as vítimas, a adoção do crime de ecocídio faria enorme diferença, pois a criminalização dos responsáveis aumentaria substancialmente, assim como as chances de as vítimas serem indenizadas.

 

Um desastre ambiental como as enchentes no Rio Grande do Sul, embora decorrente da crise climática agravada pela ação humana, não possui um culpado direto que possa ser responsabilizado. Como o texto proposto pelo PL do Ecocídio enxerga situações como esta, cada vez mais comuns?

 

A princípio, me parece que o ecocídio não se aplicaria à tragédia do Rio Grande do Sul. Como explicado, nem todo caso de destruição ambiental ou de tragédias decorrentes da crise climática se enquadrarão no crime de ecocídio.

 

Como esta nova tipificação pode proteger os povos originários, vítimas recorrentes dos crimes ambientais?

 

O crime de ecocídio certamente ajudará a aumentar a proteção dos povos originários porque eles são as primeiras vítimas da destruição ambiental. No caso da Amazônia, é muito difícil separar o meio ambiente dos povos que o habitam, vivendo de seu modo tradicional. As populações indígenas e tradicionais são indissociáveis do meio ambiente que habitam. São as principais guardiãs da floresta apenas pelo fato de lá estarem, e por isso são sempre as primeiras a serem atacadas. Então, o ecocídio também visa proteger esses povos. Por uma outra perspectiva, protegendo a floresta e os povos que lá vivem, o ecocídio também visa proteger o clima, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes do desmatamento que alimenta a emergência climática.

 

Biomas como o Cerrado e a Amazônia estão hoje entre os mais prejudicados por ausência de responsabilização de criminosos ambientais. De que maneira a PL do Ecocídio pode ajudar a frear crimes ambientais pontuais que, somados, ameaçam ecossistemas inteiros?

 

Como explicado, o crime de ecocídio não é para toda e qualquer destruição ambiental. Apenas para as maiores, mais graves, mais massivas e abrangentes, com consequências ambientais mais abrangentes e duradouras. Mas a adoção do crime de ecocídio certamente passará uma mensagem forte a todos os criminosos ambientais, de que o Estado está realmente priorizando a proteção ambiental ao elevar e agravar as consequências jurídicas das violações ao direito a um meio ambiente equilibrado, o que servirá como novo fator de dissuasão para reduzir o desmatamento e outras formas de degradação. Essa mensagem será direcionada a todos os desmatadores e criminosos ambientais, grandes e pequenos.

 

 

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