Em entrevista ao Instituto Pro Bono, o advogado indígena Maurício Terena analisa os desafios da advocacia indígena no Brasil e as barreiras enfrentadas por comunidades originárias para garantir seus direitos. Às vésperas da COP 30 — e diante da recente aprovação do chamado PL da Devastação pelo Congresso Nacional — Terena faz um chamado: é preciso que os tomadores de decisão cheguem a Belém conscientes de suas responsabilidades. O tempo da retórica passou — justiça climática exige coragem política e enfrentamento dos interesses que bloqueiam direitos e vidas.
O Banco dos BRICS anunciou que vai destinar 40% de seu portfólio a projetos sustentáveis. Apesar de ser um posicionamento importante, sabemos que as promessas precisam sair do papel e estabelecer comunicação com os principais grupos interessados em proteger o meio ambiente. Nesse sentido, o BRICS está dialogando com as organizações e/ou lideranças indígenas do nosso país? Quais projetos sustentáveis você considera que podem ser beneficiados com esse financiamento?
Mauricio: É um anúncio importante em colocar o seu capital e seu investimento em projetos que visam a sustentabilidade. Mas é importante pensar também em qual é a burocracia em torno desse apoio, desse financiamento. Eu sei que o banco apoia algumas iniciativas no que diz respeito às pautas indígenas, mas as comunidades e as organizações locais não têm conhecimento desse tipo de apoio. Então, respondendo a sua pergunta, se o banco vem dialogando com organizações e lideranças: pode ser que sim, mas esse acesso ainda fica muito limitado a organizações que já tem uma estrutura para captar financiamento e outras organizações indígenas acabam ficando um pouco mais distante do acesso a esses recursos. Por isso é importante que esse financiamento chegue nesses territórios com menos burocracia possível para que as comunidades indígenas tenham acesso a isso.
2. Clima e justiça são inseparáveis. O que seria, para você, uma forma justa de distribuição dos recursos climáticos anunciados nesta declaração conjunta dos BRICS?
Mauricio: Seria uma previsibilidade específica para projetos que querem manter a floresta de pé fortalecendo as comunidades que fazem esse trabalho historicamente. Quando a gente fala em soluções baseadas na natureza, a gente fala necessariamente das pessoas que moram na natureza, moram na floresta e têm conhecimento histórico para que a floresta se mantenha em pé, para que o desmatamento se reduza. Então, a distribuição desses recursos de maneira justa precisa necessariamente ter o componente de justiça climática.
3. Você acredita que esse posicionamento público dos BRICS ajuda a fortalecer os debates da sociedade civil e organizações indígenas que serão levados à COP 30? Quais são as suas expectativas para essa COP?
Mauricio: Sem sombra de dúvida o anúncio fortalece aquilo que as organizações da sociedade civil já vem há algum tempo reivindicando, mas é preciso que isso seja uma política estrutural do banco, que esse financiamento não ocorra apenas em momento de COP ou que o banco siga financiando projetos que contribuem para a crise climática. Inclusive, essa discussão sobre o financiamento climático tem sido muito permeada pelos papéis dos bancos multilaterais que têm em seus portfólios financiamentos de empreendimentos ou de processos que acabam degradando ou contribuindo para o acirramento da crise climática, ou ainda apoiando projetos que visam o fortalecimento dos combustíveis fósseis e a emissão de CO2 na nossa atmosfera.
A expectativa para a COP está bem no campo de uma razoabilidade das discussões. Espero que avance, espero discussões e encaminhamentos importantes sobre essa questão, em especial do financiamento climático. Mas para a pauta indígena eu venho percebendo que as expectativas estão um pouco tímidas no que diz respeito a conseguir colocar a demarcação das terras indígenas como uma política climática. Confesso que estou um pouco cético em relação a COP e a pauta indígena. O movimento indígena tem reivindicações importantes que, inclusive colaborariam para essa situação climática que a gente vive não se acirrar – porque quando você preserva e demarca territórios indígenas você está contribuindo para que o regime de chuvas, a produção de alimentos e desmatamento se alterem.
4. Qual é a sua percepção sobre a participação de povos indígenas e comunidades tradicionais em espaços de tomada de decisão climática no Brasil e no exterior?
Mauricio: Sendo bem sincero, é uma participação que vem crescendo, que vem crescendo, que tem uma potencialidade de conduzir a discussão climática para um outro campo, inclusive trazendo elementos da justiça climática. Mas eu percebo que são discussões muito à margem da tomada de decisão. Os povos indígenas, sem sombra de dúvidas, exercem um papel importante ao estar nesses ambientes, mas os ambientes de discussão da justiça climática e do financiamento ainda são majoritariamente feitos por pessoas não indígenas, pessoas brancas, pessoas do norte global. Por isso, é preciso ser pensado uma governança climática a partir das perspectivas dos grupos que historicamente sofreram com isso. Eu acho que ainda tem muito a se avançar na tomada de decisão e no protagonismo. Os movimentos indígenas vêm fazendo essas incidências, mas ainda tem um longo caminho a se conquistar nesse campo de negociação.
5. Você poderia deixar uma mensagem aos líderes globais que estarão na COP 30?
Mauricio: Os tomadores de decisão precisam ter a consciência de que cada artigo assinado ou omitido afetará o destino de povos, florestas e das futuras gerações. O tempo da retórica passou e agora é hora de ter coragem política e enfrentamento por parte dos interesses financeiros no que diz respeito ao alcance de uma justiça climática. Os tomadores de decisão precisam chegar em Belém, na COP 30, com consciência de suas responsabilidades, que eles não sejam guiados por retóricas que não podem mais se sobressair no debate climático.
6. O acesso à justiça ainda é um desafio enorme para muitas comunidades indígenas e tradicionais, especialmente em regiões remotas. Na sua visão, o que poderia ser feito para que esse acesso seja mais efetivo e respeitoso às especificidades desses povos? Você acredita que existe um movimento crescente de advocacia indígena no Brasil? Como fortalecer essa presença nos tribunais, nas universidades e nos espaços de decisão?
Mauricio: Não tem como olhar para essa questão e não perceber o racismo estrutural que ainda permeia a nossa realidade brasileira. Então, é fundamental se atentar a essa questão para que se garanta o acesso à justiça e se garanta acima de tudo um enfrentamento do Estado brasileiro ao racismo estrutural. O acesso à justiça não está separado dessa discussão de raça-classe. Ele é um direito que só será efetivado na sua plenitude quando o estado brasileiro conseguir enfrentar a questão do racismo estrutural dentro do poder do judiciário, inclusive reformulando e fazendo políticas de diversidade no que diz respeito ao acesso a cargos públicos para esses povos; terem mais magistrados indígenas, mais promotores indígenas, enfim, porque hoje a configuração do poder judiciário é formada majoritariamente por homens brancos.
Acredito que tem um movimento crescente da advocacia indígena no Brasil mas é importante que esse movimento seja apoiado e fortalecido, inclusive pelas organizações do terceiro setor e pela filantropia que vem apoiando projetos nessa pauta. Tivemos avanços, mas neste momento é importante que se fortaleça as políticas em torno do que a gente vem consolidando. Agora não é mais sobre ter advogados indígenas, é sobre investir na formação, é necessário investir no fortalecimento da atuação desses advogados para que eles tenham condições mínimas de exercer uma advocacia com dignidade.