ARTIGO | Falta confiança nos créditos de carbono da Amazônia?

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*Letícia Yumi Marques

 

Desde o início de agosto, denúncias envolvendo créditos de carbono gerados a partir de projetos na Amazônia fizeram com que o Ministério Público Federal no Estado do Amazonas recomendasse a suspensão de “todas as operações, os contratos e as tratativas em andamento no tema crédito de carbono e no modelo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que incidem nos territórios indígenas e tradicionais, com ou sem regularização fundiária definitiva, no estado do Amazonas”. A recomendação está baseada em dados de pesquisas científicas segundo as quais haveria um “exagero” na quantificação dos créditos de carbono gerados por cada projeto, além de indícios de inobservância da realização de consulta livre, prévia e informada de comunidades indígenas e povos tradicionais em relação a seus direitos territoriais, como determinada pela Convenção n.º 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

 

Apesar de ser uma iniciativa da Procuradoria-Geral da República naquele estado, sem dúvidas essa recomendação e as fraudes que ela visa combater repercutem em toda a Amazônia brasileira e, porque não dizer, no desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil como um todo.

 

Um crédito de carbono é um título de valor mobiliário, representativo da redução ou remoção de 1 tonelada de dióxido de carbono na atmosfera. O sistema para transação desses créditos está sendo formatado desde o Acordo de Paris e, no Brasil, um projeto de lei que está tramitando define quem está obrigado a comprar créditos para compensar emissões. Segundo o projeto de lei, para ser considerado viável, elegível, para gerar créditos de carbono, os proponentes devem apresentar mecanismos para a redução ou remoção de gases do efeito estufa da atmosfera com a chamada adicionalidade.

 

A adicionalidade é, grosso modo, a ação humana empenhada para de fato reduzir ou retirar esses gases da atmosfera. É aquilo que o proponente e gerador do crédito fez além do que a natureza sozinha e sem o que a redução ou retirada do gás do efeito estufa não teria acontecido. As ações que geram adicionalidade podem ser sociais ou de preservação da floresta e o seu valor poderá ser dado pela certificadora, que comprova a legitimidade do lastro do título do crédito de carbono, e pode variar bastante. Afinal, o esforço e energia empenhados para proteger uma área de floresta que, como na Amazônia, sofre notória pressão de garimpo e desmatamento é maior que em outras áreas ou biomas onde esses fatores são melhor controlados.

 

Se alguns brasileiros estão surpresos com as denúncias de fraude que vieram a público nas últimas semanas, entidades não-governamentais e representantes de investidores estrangeiros não estão. Desde que cheguei em Belém, onde passei a morar em março deste ano para cursar doutorado em Direito na Universidade Federal do Pará, tenho sido procurada e presto consultoria a entidades estrangeiras interessadas em avaliar se as políticas públicas do Estado do Pará e outros estados da Amazônia estão coerentes e são capazes de promover a implementação do chamado REDD+ que, em resumo bem resumido, são ações que, além de combater o desmatamento, geram ganhos sociais e a efetivação dos direitos humanos, especialmente dos povos da floresta. É uma espécie de “auditoria” de políticas públicas, como se a Amazônia estivesse sendo auditada para que os investidores entendam o ambiente regulatório e seus riscos.

 

Em geral, noto que os belenenses não estão muito empolgados com a COP 30, que acontecerá aqui em Belém em novembro de 2025. Existe uma certa desconfiança sobre as oportunidades e o legado que o megaevento vai gerar para a cidade e de que os bilhões investidos no Estado possam ser alvo de corrupção. Para o resto do mundo, importa saber se o Brasil de fato tem capacidade de assumir o papel de liderança no tema do enfrentamento das mudanças do clima – papel que deveria ser nosso por vocação ou “pela própria natureza”.

 

*Letícia Yumi Marques é doutoranda em Direito pela UFPA, advogada fundadora do L.Marques Advocacia Socioambiental e consultora jurídica de entidades estrangeiras em temas de mudanças climáticas e REDD+. Foi vencedora do prêmio Rising Star of The Year 2024 – Environment, da publicação inglesa The Legal 500.

 

 

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