ARTIGO | Os desafios que Belém deve superar até a COP 30, em novembro de 2025

asian city with waterfront

Letícia Yumi Marques*

 

Belém é uma cidade em que as desigualdades sociais estão mais evidentes. Em São Paulo, embora pessoas em situação de vulnerabilidade se misturem às outras nas ruas, é preciso se deslocar até a periferia para ver de perto os impactos da falta de saneamento, da coleta de lixo deficiente, da dificuldade de mobilidade até as regiões centrais, a fragilidade das moradias improvisadas às intempéries do tempo e as ocupações irregulares em áreas de preservação permanente. Na capital paraense, os bairros considerados “nobres” (Batista Campos, Umarizal e Nazaré) são separados das “quebradas” por uma rua ou avenida. Com isso, aprendi que, em Belém, pessoas em situação privilegiada não vivem em bolhas, como acontece nos bairros de classes A e B de São Paulo. Aqui, estamos o tempo todo conscientes das desigualdades sociais, ainda que alguns dos 1.300.000,00 habitantes escolham voluntariamente ignorá-las.

 

As necessidades da cidade são muitas. Até março, quando me mudei de São Paulo para Belém, a cidade não possuía coleta seletiva estruturada e já estava há semanas sem coleta de lixo e varrição de ruas por conta de problemas entre a Prefeitura e a concessionária responsável por esses serviços. Como está abaixo do nível do mar e como chove todos os dias, o lixo não coletado das ruas se espalhava e atraía ratos e outros animais vetores de doenças. O problema, nem se diga, era agravado nas comunidades mais vulnerabilizadas, onde os que andam pelas ruas assistem com ares de normalidade os sacos de lixo serem rasgados por pessoas em busca de comida.

 

Os ônibus são antigos, adquiridos usados de outros municípios – é o que dizem as pessoas com quem interajo (motoristas de aplicativos, comerciantes, vendedores de rua) – e não possuem seque ar-condicionado. Há poucos dias, a Prefeitura anunciou a compra de 300 novos coletivos, que circularão até o mês de agosto e que terão wi-fi e o ar-condicionado, tão necessário para aliviar o estresse e calor nos ônibus superlotados.

 

O calor é protagonista na cidade e, embora a temperatura em geral não ultrapasse os 33ºC, a umidade do ar, que fica entre 90% e 98%, transforma Belém em uma sauna. Aqui, se respira água. A umidade é inimiga da conservação das casas, prédios e equipamentos urbanos, especialmente as construções históricas. Esses espaços estão sendo revitalizados para atender os turistas esperados junto com a COP 30, ao lado de novas atrações culturais e gastronômicas que estão sendo inauguradas para essa finalidade. Também de olho nos turistas, a Prefeitura passou a promover a capacitação e treinamento para trabalhadores do setor de serviços que, de fato, merece críticas e aprimoramento urgente.

 

Os turistas que vierem à Belém ainda não têm onde ficar. Como se sabe, o déficit de hospedagem na cidade é tão grande que Belém quase perdeu a COP 30 para outras capitais brasileiras. No último dia 6 de junho, um grupo português assinou com o governo do Estado um contrato para instalação do Hotel Vila Galé na região do Porto do Futuro II. O concessionário terá direito de exploração por 30 anos e promete que o hotel, com 143 apartamentos estará pronto até novembro do ano que vem.

 

A lista de pendências para o megaevento da COP 30 é imensa, mas as principais intervenções, que poderiam ser o legado para os amazônidas belenenses não estão avançando. A prioridade parecer ser o conforto do turista e deixar a cidade minimamente pintada e arrumada para receber o evento. É um contrassenso, na minha forma de ver, que a cidade-sede de um evento que discutirá mudanças climáticas e alternativas de adaptação a eventos climáticos extremos tenha mais de 30% da população sem acesso a saneamento básico; que, apesar de plana, não possua ciclofaixas ou faixas exclusivas para transporte coletivo, com claro desincentivo a modais alternativos de transporte; e que, para piorar, apesar de estar abaixo do nível do mar e correr risco real de desaparecer sob as águas, não possua plano de ação para adaptação às mudanças climáticas.

 

Melhorar a infraestrutura e oferta de serviços para receber os turistas é bom e certamente terá impacto positivo na economia, mas como já foi reconhecido pela ONU e pela Corte Interamericana, o tema das mudanças climáticas é indissociável dos direitos humanos, da qualidade de vida das pessoas e da especial proteção a pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade. Afinal, se Belém alagar, os bairros mais privilegiados como Batista Campos, Umarizal e Nazaré não serão afetados – os principais impactos serão sentidos nas comunidades que ocupam as terras baixas, próximas ao rio Guamá e baía do Guajará. Isso se chama injustiça ambiental, anda de mãos dadas com o racismo ambiental e é o principal desafio de Belém para a COP 30.

 

*Letícia Yumi Marques é paulistana de nascimento e criação, ex-Faria Limer e se mudou para Belém em 2024 para cursar doutorado em Direito na UFPA, onde pesquisa sobre mudanças climáticas. É mestra em Sustentabilidade (USP), especialista em Direito Ambiental (Mackenzie), pós-graduada em Direitos dos Animais (Universidade de Lisboa) e em ESG na Prática: Diversidade e Inclusão nas Empresas (FGV-Law) e bacharel em Direito (PUC-SP). Vencedora do prêmio Rising Star of The Year 2024 – Environment, da publicação inglesa The Legal 500. Comunicadora e advogada.

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