Agricultura Sustentável: Conciliando a Produção Agrícola e a Segurança Alimentar com a Preservação Ambiental

Alexandra Bernardini Cantarelli, advogada de Ambiental do Machado Meyer

Thais Ferreira Moreno, advogada de Ambiental do Machado Meyer

 

No Brasil, a agropecuária e a mudança no uso da terra representam as principais fontes de emissões de gases de efeito estufa (“GEEs”) do país[1]. Ao mesmo tempo, a produção agrícola é uma das áreas mais afetadas pelas mudanças climáticas, em razão das alterações nos padrões de chuva, aumento da frequência de eventos climáticos extremos e mudanças severas na temperatura, o que impacta diretamente os índices de segurança alimentar. Assim, as discussões acerca da adoção de práticas sustentáveis no setor agrícola têm se tornado cada vez mais relevantes.

A agricultura sustentável, por definição, busca atender às necessidades atuais de alimentos e outros produtos agrícolas sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades. Isso é alcançado por meio da implementação de práticas que promovem a conservação dos recursos naturais, como solo, água e biodiversidade, além de minimizar o impacto ambiental do uso da terra e promover o bem-estar social e econômico das comunidades agrícolas. A agricultura sustentável também visa à maximização da eficiência produtiva, redução do uso de insumos químicos e da água e promoção de sistemas agrícolas resilientes e adaptáveis às mudanças climáticas.

A esse respeito, a Food and Agriculture Organization (“FAO”),   Quadro Estratégico da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura para 2022-2031 desenvolve projetos em diversos países – incluindo o Brasil – que promovem sistemas agroalimentares mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis, com o objetivo de alcançar melhor produção, nutrição, meio ambiente e qualidade de vida para todos. As áreas prioritárias de atuação da FAO incluem garantir padrões de consumo e produção sustentáveis, combater as mudanças climáticas e reduzir desigualdades, refletindo a interligação entre as dimensões econômica, social e ambiental dos sistemas agroalimentares, buscando contribuir diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”) 1, 2 e 10, e apoiar a concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

O ODS nº 2, especificamente, busca alcançar a segurança alimentar, bem como promover a agricultura sustentável, estabelecendo metas específicas nesse sentido. A meta 2.4, por exemplo, procura garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção e que também ajudem a manter os ecossistemas e fortalecer a capacidade de adaptação do solo e das populações rurais às mudanças climáticas.

A importância do tema foi também alavancada na Conferência das Partes (“COP”) 28 de Dubai, em 2023, a partir da assinatura da Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática por 133 países, incluindo o Brasil. O documento busca aprimorar a segurança alimentar e, ao mesmo tempo, preservar a biodiversidade e os recursos hídricos, além de diminuir a fragilidade dos agricultores diante dos efeitos das mudanças climáticas. Essas iniciativas refletem um compromisso global em fortalecer a resiliência e sustentabilidade na agricultura, visando garantir a segurança alimentar e preservar o meio ambiente para as gerações futuras. De acordo com o texto da Declaração, o progresso coletivo dos países signatários será analisado na COP 29, que ocorre em novembro deste ano, visando definir os próximos passos para o ano de 2025 e seguintes.

Em âmbito nacional, o Brasil tem promovido normas e políticas que estabelecem a sinergia entre a agropecuária, o meio ambiente e a segurança alimentar, a fim de desempenhar um papel fundamental na regulamentação e promoção de práticas agrícolas sustentáveis, à luz dos arts. 6º e 225 da Constituição Federal.

A título de exemplo, a Lei Federal nº 8.171/1991, que dispõe sobre a política agrícola nacional, inclui, dentre seus objetivos, eliminar as distorções que afetam o desempenho das funções econômica e social da agricultura e garantir o uso racional dos recursos naturais. Em paralelo, a Lei Federal nº 11.346/2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (“SISAN”), busca assegurar o direito humano à alimentação adequada no país, mediante o estabelecimento de técnicas agrícolas que promovam a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos, além da implementação de políticas públicas de produção, comercialização e consumo de alimentos. A Portaria nº 337/2021 do Ministério da Agricultura e Pecuária (“MAPA”), por sua vez, define requisitos e reconhece programas de promoção de boas práticas agrícolas para estimular a produção de alimentos seguros e de qualidade.

 

Ainda, o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, conhecido como ABC+, busca consolidar a agropecuária nacional sobre sistemas sustentáveis, resilientes e produtivos, com soluções de adaptação e mitigação embasadas em ciência. O Plano ABC+, nesse ponto, estabelece metas e diretrizes para a promoção da agricultura de baixo carbono, as quais buscam o aumento da produtividade e da renda dos produtores rurais ao mesmo tempo em que reduzem as emissões de GEEs e aumentam o sequestro de carbono no solo, mitigando os efeitos das mudanças climáticas. O “Pacote Verde”, lançado pelo Governo Federal em 2023, inclusive, propôs aumentar os recursos destinados ao Programa ABC+, oferecendo crédito rural com juros subsidiados para financiar atividades agrícolas sustentáveis.

A agropecuária, portanto, depende diretamente do meio ambiente sadio e equilibrado para garantir a segurança alimentar da população e a prosperidade das comunidades rurais, e, para tanto, a preservação dos recursos naturais e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas são indispensáveis, o que requer abordagens integradas e sustentáveis no campo. A aplicação de princípios e normas vinculados à agricultura sustentável no Brasil, bem como as iniciativas globais, têm o potencial de garantir a segurança alimentar e transformar nossos sistemas de produção, contribuindo para o desenvolvimento sustentável das comunidades rurais e a redução das emissões de GEEs vinculadas ao uso da terra.

 

[1] Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa – SEEG. Plataforma Digital SEEG Eco. Disponível em: <https://plataforma.seeg.eco.br/?highlight=br-net-emissions-by-sector&_gl=1*1xvvcwj*_ga*MzMyODM1Mzg2LjE3MjI1Mzg5ODc.*_ga_XZWSWEJDWQ*MTcyNDQzMTE2OC4zLjAuMTcyNDQzMTE3NC4wLjAuMA>. Acesso em: 20 ago 2024.

Conteúdos relacionados

tribunal internacional

Opiniões Consultivas em Mudanças Climáticas – Como fica a responsabilidade dos Estados?

O desenvolvimento das energias renováveis no contexto brasileiro

pexels tomfisk

Vanessa Hasson e os Direitos da Natureza: “ferramenta pedagógica de transformação”

Captura de Tela às

Instituto Pro Bono lança livro sobre Advocacia Indígena